Monday 17 September 2012

O labirinto

Num bar punkíssimo da periferia berlinense, um pouco em estilo marroquino, mas basicamente uma portinha fechada onde se bate e abrem, minha amiga e eu entramos e pedimos algo para beber. Várias salas, estilosas e transadas; senta-se em almofadas no chão. Ela diz ao garçon que queremos visitar “O Labirinto”; pagamos EUR10 por pessoa e ele dá a cada um uma ficha metálica, dizendo que mais tarde vem chamar. Uma 1/2 hora depois, uma moça vem apanhar um por um: venda os olhos, caminha alguns metros, passando por portas, pára e faz uma gostosa massagem em alguns pontos, como pescoço e coluna. Tira a venda, diz para a gente seguir caminhando e abrir a porta, que dá numa câmara escura, onde mal se cabe, e um vídeo silencioso de um velho barbudo faz sinal para a gente enfiar a ficha e abrir a porta. Ela dá numa pequena câmara escura, onde há um buraco negro. Obviamente é um tobogã, o qual entro primeiro com os pés, para escorregar. Ele desce por alguns metros (nada muito violento), quando os pés batem em uma parede e noto que do lado esquerdo há um buraco com alguma luz. Saio de lado, apertadinho, por ali. É uma espécie de “oca”, na verdade um hall com várias entradas e saídas, de diversas formas em diversas alturas (algumas tem-se que escalar para atingir), com as paredes cobertas de texturas e objetos indefinidos. (Todo o chão por onde se caminha é acidentado, jamais reto ou liso.) Olho ao redor por alguns minutos, e saco que o negócio é ir explorando-as uma por uma, eventualmente voltando a esta “oca”. Todos os caminhos voltam mais ou menos a este lugar; são sinuosos, escuros, apertados, em materiais diversos, cores variadas, com iluminação especial, um pouco como um “trem-fantasma”, só que sem elementos de dar susto; cada ambiente como um pequeno universo surreal. Tudo muito apertado, inóspito, às vezes desagradável de tocar; com pouco ar, úmido. Câmara após câmara. Às vezes, alguma surpresa, como uma salinha onde cabe-se em pé e a luz fluorescente é intensa. Depois de algum tempo, passa-se a encontrar outras pessoas “perdidas” (nunca em pé; sempre agachadas, ajoelhadas, tentando passar por pequenas aberturas entre um lugar e outro, nem sempre fácil; com pouquíssima luz, colorida ou piscando irregularmente), os quais cumprimento e faço algum comentário. Alguns assustam-se de ver algo se mexendo (os outros visitantes). Em um ponto do percurso, encontro a amiga com quem fui. Sabe-se que o objetivo é sair dali, porém não sem antes explorar tudo. Depois que tenho certeza de ter visto todos os recantos, passagens e câmaras, uso a saída oculta, aliás uma parede que se move (só se sabe se tentar empurrar), que descobrí. E para chegar nela passa-se por um longo corredor acidentado, onde só se pode tatear...
www.karmanoia.de

Monday 11 June 2012

Números da moda na era do computador


Uma amiga minha conta os azulejos das piscinas onde nada. Não sei como ela consegue...
Não sou tão fanático assim, mas passo a vida contando, consciente ou inconscientemente.

Cada andar das casas de Amsterdam em geral tem 3 janelas, o que origina plantas-baixas medíocres, com uma sala de 2 janelas, semi-decente, e um quarto-tripa ao lado. Ou então um grande salão de 3 janelas, com o quarto dando para os fundos.

Uma barra de chocolate Toblerone (aquela dos nacos triangulares) de 200g divide-se em ONZE pedaços. Vai partilhá-la com um amigo ou 2, quantos pedaços dá para cada um? A menos que se divida em 11, sempre haverá injustiçados. (Tenta então morder o pedaço triangular na metade, para comer em 2...) Pior ainda: um Toblerone de 400g divide-se em DEZESSETE pedaços. Qual foi a mente doentia que o criou?

Escandaloso mesmo, e que não poupa ninguém que enxergue, são os novos designs de calotas de automóveis. 90% dos carros atuais têm calotas divididas em CINCO. Vai dividir uma circunferência, 360 graus, por 5?
Muitas calotas dividem-se também em SETE. Dividam 360 graus por 7.
Já ví uma calota dividida em ONZE, mas infelizmente eu não tinha câmera e não anotei o nome do carro.
Carros muito chiques têm calotas divididas em TRÊS.
Saudosos os tempos em que as calotas eram aquela colméia de buraquinhos que ninguém contava, ou então divididas nos saudosos 4, 6 ou 8.

Tragédia clássico-religiosa: quando o vitral do altar da igreja, no fundo, é dividido em DOIS, e o motivo é uma crucifixão. Põe o Cristo à direita, à esquerda, ou no meio – onde fica cortado em 2?

Tuesday 29 May 2012

Swap Meet* in Tuba City


 






Tentando entender o que acontece, vou me aproximando aos poucos das tendas dos índios. Tirar a câmera do bolso? Nem pensar, vai encher de areia, vou acabar tendo que comprar uma nova.
Maravilhas sequer começa a descrever o que vejo: tapetes, jóias, pedras, artesanato. Tudo a troco de banana, quando não por atacado.
As índias velhas estão encasacadas até os gargomilhos - será que isso ajuda a refrescar?! O calor é indescritível, surreal, nunca dantes visto.
Compro tudo o que vejo pela frente sem pestanejar, afinal quando voltarei aqui? O dinheiro vai rápido, e obviamente ninguém aceita cartões de crédito, o que nos garante não uma, porém DUAS idas de carro ao caixa automático mais próximo (nem por isso fácil de achar).
Encerro a aventura convencendo uma calejada pele-vermelha, enrugada como se tivesse 200 anos (mas só tem 72) a me fazer um tapete de 200 dólares por 166, afinal é realmente tudo o que me sobrou. No que ela hesita e resmunga, mas acaba concordando.

*a expressão "swap meet" (encontro para trocas/comércio) provavelmente origina-se dos tempos do faroeste.

Tuesday 22 May 2012

back werk (C)

Poucos detalhes de minha vida austríaca ensejavam mais jogo de poder (para não dizer discriminação ou racismo), do que uma visita às padarias vienenses.

Ora, no Brasil basicamente tem-se um só tipo de massa de pão, em que formato ou tamanho o produzam. Com muita sorte, no máximo uns poucos tipos diferentes.
Nas tradicionais padarias austríacas, os tipos de massa chegam a 15. Acrescentando formas e tamanhos diversos, garantidamente jamais se encontra numa padaria menos do que 50 possibilidades.

Realmente não há como se saber o nome exato do pão - que muitas vezes ainda é uma exclusividade da padaria. Há que se confiar nas plaquinhas que indicam nome e preço na frente de cada tipo.
Eu chegava na padaria e pedia:
- Por favor, um ... Laugenstriezel - apontando para o pão desejado.
Invariavelmente ouvia como resposta da padeira, numa vozinha aguda e cantada, como que a destratar o cliente:
- Aaaah, este não é um Laugenztriezel! É um ... Mehrkornkränzerl.
Era como se ela apertasse um botão, abrisse um alçapão sob meus pés e eu caísse no fogo do inferno. Às vezes eu respondia:
- Por que a senhora não coloca o nome certo junto ao pão certo? - mas na maioria das vezes nem me dava ao trabalho...
Todos se odiavam: ela cuspia no pão, eu cuspia no dinheiro, dávamo-nos um Danke schön, auf Wiedersehen mais para insultar do que outra coisa qualquer, eu me retirava indignado, ela seguia recalcada.
Com frequência eu comprava o menos-bom pão da prateleira do supermercado, para não ter que lidar com a padaria...

- hiato de 10 anos –

Há alguns anos, passeando por alguma cidade alemã, vejo num calçadão comercial uma nova loja, muito simples e funcional, chamada Back Werk - o que eu traduziria por “Trabalho Panual”. Entro para olhar.
UMA PADARIA SELF-SERVICE! O FIM DA DITADURA!
A gente entra, pega uma bandejinha e a cobre com guardanapo descartável, passa pelas estantes e vai pegando o que quer. Paga-se no caixa, e na saída uma estante oferece sacos e espaço para se empacotar.
Desnecessário dizer, em uma economia de bem-estar social, a diminuição de mão-de-obra baixa brutalmente o preço da mercadoria. Na rede Back Werk (descubro mais tarde, há pela Alemanha inteira!), os mesmo pães custam menos da metade das outras padarias. O principal: não tendo que se submeter a jogos de poder!


Outro dia, sei lá por quê, eu visitava o website da firma. De repente, clico em Filiais Internacionais e descubro que ... há uma em Amsterdam! Não há concorrência possível: o pão holandês é ótimo, mas o deles é ainda melhor. Mesmo em se tratando de uma zona remota e de classe média baixíssima, lá vou correndo.
E desde então habituei-me a bicicletear, a cada 2 ou 3 semanas, os 14km de ida e volta à nossa filial, o que além de tudo já ajuda a consumir os carboidratos.

Thursday 3 May 2012

Os reizinhos


Não encontro explicação para o tamanho descomunal dos carrinhos de bebê em Copenhagen. Tudo bem, os pimpolhos têm regalias em todas as economias de bem-estar social de população predominantemente idosa, porque é com os impostos futuramente pagos por eles que nos aposentaremos. Mas nessas a Suécia também se inclui, e na própria cidade de Malmö, fronteiriça com a Dinamarca, os carrinhos de bebê retornam ao conveniente tamanho normal.
Caos total: no elevador de uma grande loja de departamentos copenhaguense, dois carrinhos de bebê tentam colocar-se lado a lado. Impossível! Todos os passageiros têm que sair, e o outro carrinho esperará pela volta do elevador. O mesmo escândalo nos meios de transporte: condutores desesperados habitualmente gritam com as jovens mães, para que não se empilhem, não apertem todos os passageiros e irremediavelmente atrasem todo o trajeto.

Nasoteca???


Até o final do século 19, era considerado correto refazer-se os narizes de estátuas gregas e romanas que os tinham perdido ao longo dos tempos.
Porém, no século 20, as recontituições saíram de moda, passou-se a apreciar o look arruinado que sublimava a passagem do tempo. E os narizes foram todos retirados das estátuas.
Em Copenhagen, a gliptoteca Ny Carlsberg expõe todos os narizes em um painel, denominado "nasoteca".
Não me perguntem se há coleções de outros membros igualmente removidos...

Copenhagen suburbana

Decido em meu primeiro dia na capital dinamarquesa visitar tudo o que é longe do Centro. Compro um passe de transporte público válido por 24 horas, para todas as 9 zonas, e lá me vou.
Ainda de manhã, duas horas depois de aterrissar, chego de ônibus urbano no distrito residencial popular de Bispebjerg. Ali encontra-se a celebrada igreja de Grundtvig, uma interessante fusão de Neogótico, Art-Déco e Minimalismo, construída de 1920 a 1940, inspirada nos princípios de Nikolaj Grundtvig, um pastor luterano do início do século 19, que muito influenciaram a literatura, a educação e em última instância reavivou a consciência nacional na Dinamarca.
Os conjuntos residenciais em seu entorno são expressivos em termos de arquitetura residencial popular do início do século 20.


Uma hora e pouco em ônibus e metrô de superfície - passando por lugares onde só tenho vontade de parar e explorar tudo - leva-me a outro extremo da cidade. Na ainda-desolada extensão de Ørestad mora e trabalha a nova classe média alta. Almoço no sensacional restaurante do 23º andar do moderníssimo hotel Bella Sky Comwell: sendo novo demais para estar disputado, desfruto sozinho de um serviço personalizado com exemplar vista panorâmica.



Fazendo a digestão de meu “prato do dia” de smørrebrod com muito salmão e caviar, passeio pela nova arquitetura do distrito, entre os quais este edifício residencial com sacadas pontudas - absolutamente impossíveis de se ocupar eficientemente.

Mais metrô acrescido de trem suburbano, ressuscito no longínquo bairro de Gentofte, onde vou nadar na Kildeskovshallen, uma piscina que, de sua construção nos anos 70, automaticamente tornou-se um ícone da arquitetura dinamarquesa. Há pouco reformada, ressurgiu em todos os guias contemporâneos do assunto.

Os nadadores são disciplinados e corteses, ninguém ultrapassa ninguém (como no trânsito de rua - como é que eles têm tanta paciência?!). O ingresso de EUR 5 dá também direito a sauna, afinal estamos na Escandinávia...