Friday 6 November 2009

FÉ CATÓLICA

As igrejas polonesas, além de determinarem um novo padrão de luxo em matéria de interiores, encontram-se sempre abarrotadas de fiéis, e quase sempre em missa, o que dificulta a visita turística.
Ao luxo, a gente se acostuma. Afinal, eles têm séculos de fé catolica, agravados pela repressão comunista à religião, o que só os assanhou ainda mais, contribuindo violentamente para a prosperidade da instituição.
Entretanto, à lotação das igrejas, nada consegue me habituar. À fé pura, de jovens ou velhos, de ambos os sexos, de condições econômicas diversas. Dia e noite, inverno ou verão, chova ou faça sol, dentro de uma igreja não se está jamais sozinho. Não consigo conter os acessos de riso, ao ver as longas filas para confissão. Putinhas. Rappers. Tesões para todo o gosto. Mais jovens do que velhos! Aqui a religião não é coisa só para as velhinhas. Aliás, essas passam até despercebidas, em meio à massa.

Sempre me impressionou a atitude tipicamente católica de humildade em prostração, o que batizei de “mendigo chileno” (que obtêm até os dentes de ouro da boca da gente, tal a piedade que inspiram). Os poloneses são mais ainda mais profundos do que isso: os pedintes retorcidos e balbuciantes às portas de igreja lembram verdadeiros atos medievais de fé. (Eu não devia ter tido escrúpulos de fotografar um, mas com a massa testemunhando, simplesmente não pude.)

Thursday 5 November 2009

ROTERDÃ 1

Costumo exercitar minha crueldade quando fotografo algo de que discordo. Principalmente em termos de arquitetura, que afinal é minha especialidade.
Em Roterdã, nada mais fácil. Sequer preciso fazer esforço: todos os ângulos só mostram o desastre urbano em seu mais alto grau. A cidade na verdade não foi destruída pelos alemães no início da 2ª Grande Guerra, e sim pelos próprios arquitetos holandeses em sua reconstrução. Cada um chegou aqui com uma idéia “melhor” do que a outra, o que havia de mais moderno em tendências, e o resultado é uma das piores cidades do planeta.
Não estou falando na catástrofe mais comum e óbvia, que são as metrópoles dos países pobres, mas de algo bem mais sutil: a falta de coerência na política de ocupação do solo, um planejamento urbano desnecessariamente comprometido com a especulação, um fracasso total no estabelecimento de diretrizes para o crescimento da cidade.
Basicamente, em Roterdã a gente simplesmente se sente mal, sem saber dizer por quê. Ao se andar pela cidade, tentando diagnosticar o que houve, não se encontram marcos históricos; tudo grita por atenção; nada oferece consolo ao citadino. Tudo isso dentro de uma certa opulência - fruto do bem-estar social do país -, de uma certa organização, oferecendo uma qualidade de vida da qual não se pode reclamar.
Menos mal que não foi Amsterdam que elegeram para estragar...

Tuesday 3 November 2009

PIONEIRO

Os recordes do livro Guiness evoluem constantemente. Há anos atrás, eu frequentava em Viena (Áustria) o Erika, então o mais antigo cinema existente. De repente o Erika sucumbiu à especulação imobiliária, e nunca mais ouví registros do recorde este.
Até dar com os costados em Szczeczin, no norte da Polônia, um enrola-línguas danado para os latinos. Os alemães chamam-na até hoje de Stettin, como nos tempos do Império, quando era um importante porto alemão.
Lendo um despretencioso guiazinho da cidade, descobrimos o novo “cinema mais antigo da Terra ainda em funcionamento”, o Pionier daqui. Lá fomos, na sessão das 20h, assistir sei-lá-o-quê, visto que davam o título em polonês.
A entrada no térreo de um prédio residencial normal conduz até a caixa, ao fundo. Acostumada a desdobrar-se com turistas (e quantas coisas pode desejar uma pessoa que chega na caixa do cinema e estende dinheiro?), a moça vende-nos dois ingressos e descemos ao sub-solo, onde sentamos numa apertada salinha com mesas e um balcão de bar, sobre o qual está o grande projetor. Mal temos tempo de pedir bebidas, apagam e luz e começa o filme francês. O trac-trac-trac do projetor acrescenta certa nostalgia è experiência, é como se andar em maria-fumaça. O filme tem intervalo, no qual vou dar uma olhada nas paredes cobertas de fotos, mostrando entre outros a veterana atriz francesa Jeanne Moreau em visita de reverência à instituição.

Impagável é o fato de, em todos os canais de TV poloneses, filmes e programas estrangeiros serem dublados invariavelmente PELA MESMA VOZ MASCULINA, o que torna certas cenas, em especial com várias vozes femininas, absolutamente hilariantes!

O FLAUTISTA DE HAMELIN




Nos longos trajetos de estradas, sempre damos paradas em alguma cidadezinha desconhecida do caminho, uma ótima maneira de se conhecer lugares novos, eventualmente tendo-se alguma surpresa.
Já com quilômetros de antecedência, Damian propagandeava esta parada, tentando me fazer lembrar de uma historinha infantil, que absolutamente não parecia constar de meus bancos de memória. Ainda precisei de uma meia-hora em Hameln, sendo bombardeado por imagens, para dar-me conta...
A fábula
Nos idos de 1300, a cidade encontrava-se infestada por ratos. O prefeito promete uma generosa recompensa a quem conseguir resolver o problema. Aparece o flautista, que com sua música encanta os ratos para fora da cidade, afogando-os no rio. O prefeito acha que foi fácil demais, e não paga a recompensa. O flautista retorna para se vingar, só que desta vez encanta as criancinhas da cidade.
Terrível, não?!
O símbolo da cidade, presente em massa desde as centenas de souvenirs até as fachadas das construção, é ... ratinhos!
No palco de verão da praça principal, apresentam diariamente (entrada gratuita, é só sentar nos bancos), o musical “Rats”, título parodiando o renomado “Cats”.
Os guias turísticos que pontilham a rua, guiando grupos, vestem-se invariavelmente como “O Flautista”.

Imaginem alguém caminhando na rua, digamos só para efeito de imagem que é um homem, de seus 30 anos. Não que seja gordo, mas sua postura é péssima: ombros caídos, barriga pendendo, caminha arrastando os pés. Veste uma calça de bainha curta demais, amarrotada, com um cinto estrangulando muito acima da cintura; sandália aberta com meias marrons, uma delas com furo no dedão. A camisa é de um xadrez em tons mortos, abotoada errada, que deixa sobrar pano junto ao colarinho. Ele usa óculos grossos como fundo de garrafa, e tem os lábios entreabertos, com a baba quase caindo. Porta uma sacola de pano suja ao ombro e tem o olhar perdido, fixado no nada.
Hameln inteira estava invadida por pessoas assim, homens ou mulheres, de todas as idades.
Cheguei a pensar que houvesse um tipo de convenção, de “Encontro Nacional”.
Ou será que é simplesmente o look em voga?

WULKANIZACJA

Eis uma das primeiras palavras polonesas que lí pelas estradas e entendí completamente, sem imaginar que um dia precisaria de uma.
Ora, dirijo pela Europa há 20 anos e nunca me aconteceu absolutamente nada. Entretanto, em nossas duas michas semanas na Polônia (sabidamente o inferno automobilístico do continente), sucedem-se dois eventos bastante desagradáveis...
Episódio I
Em uma estradinha secundária, daquelas em que a gente reduz a velocidade porque está passando dentro do vilarejo, ví um pouco a nossa frente, sobre a calçada do mesmo lado, um velho bicicleteando. Poucos segundos depois, o desgraçado cai da bicicleta, estatelando-se no asfalto da pista, uns 5 metros à frente de nosso carro. Freio imediatamente.
Sou um pouco vivido no assunto para poder não ter pensamentos colaterais. Em uma fração de segundo, penso com meus botões, “Não vá passar alguém, ver o velho esparramado no chão, atrás um carro estrangeiro, e imediatamente concluir que temos algo a ver com isso!”
Vejo que o velho ainda se mexe, quando lentamente Damian indaga, “Deveríamos ir ver se ele está bem?” (sem sequer suspeitar de meus pensamentos). “Sim, vai”, respondo.
O cacareco levantava-se aos poucos, como bom machão eslavo declinando auxílio, e dizendo – em polonês cristalino – que estava bem. Damian segue solicitamente tentando ajudá-lo, até ele decidir-se a partir, a pé empurrando a bicicleta.
Antes que alguém venha interferir, partimos nós também.

Posteriormente, verifico com uma amiga polonesa – ex-colega nova-iorquina – que efetivamente praticam no país “esquemas” para tirar dinheiro de turistas, simulando acidentes. Parece felizmente não ter sido o nosso caso...

Episódio II
Cenário: uma estradinha mi-se-rá-vel, com a polonesada dirigindo tão mal quanto só eles sabem fazer: com imprudência, mau julgamento e decisões precipitadas; em carros que variam da Mercedes tilintando até praticamente carroças puxadas por burros.
Obviamente - como todos os outros motoristas - a certo ponto enervo-me e resolvo passar um “barbeiríssimo” pelo acostamento, enquanto ele aguarda horas para dobrar à direita. O lado esquerdo de nosso carro cai num buraco, sendo só questão de alguns quilômetros para um pneu murchar. Lá vamos nós trocá-lo, coisa que eu nem lembrava que sabia fazer (de última feita, no trecho Chuí-Punta del Este em 1988...).
Troca de pneu seguida em Poznan, próxima cidade onde pernoitamos, por uma visita de manhã cedinho à Wulkanizacja mais próxima do hotel (encontrada nas Páginas Amarelas locais). O arigó foi muito eficiente, entendeu mesmo sem as palavras certas a situação, verificou nosso estepe dizendo que chegaríamos tranqüilos em casa com ele (não me perguntem como em certas situações a gente entende tudo...), declarando nosso pneu danificado como perdido (com um rasgão de 5cm), e vendendo-nos um novo estepe.