Thursday 18 February 2010

ASSUNTO DE VIDA OU MORTE

Acabo de receber de uma amiga holandesa, por email, uma petição que certamente receberá milhares de assinaturas e irá para a Câmara Federal. Vem de um grupo chamado Livre Arbítrio e prevê que “pessoas de idade que considerem sua vida terminada possam colocar um fim legal a ela”.
Assinei e mandei adiante, vamos ver no quê vai dar. Entretanto, em minha opinião, é algo muito diferente de nossa corrente Eutanásia. (A partir de aqui, arrepiam-se os católicos...)
A Constituição holandesa permite desde 2002 que “pessoas que sofram de um mal irreversível e doloroso” tenham seu caso verificado por uma comissão e abreviem seu sofrimento através de uma injeção letal, administrada por médico. Porém, até aí, a condição desses indivíduos beneficiados pela lei é precária, realmente não vale mais a pena prolongá-la. O que difere muito de alguém que simplesmente decide colocar um fim à própria vida. Além do quê, quem são as “pessoas de idade”? Tenho 48 anos – me enquadro?!

Tuesday 16 February 2010

CONTOS DO METRÔ NOVA-IORQUINO

Vivendo na cidade e dependendo do metrô como transporte, vivencia-se diariamente episódios inusitados.
Uma vez, eu trocava de linhas na estação Lexington-53rd Street, onde uma escadaria descomunal, estreita, reta e sem patamares, de 4 andares ou mais, comunica as duas linhas.
Dirigindo-me a ela, vai na minha frente um negro deficiente físico, em uma cadeira de rodas incomum, parecendo muito leve. O cidadão tinhas pernas minúsculas e atrofiadas, porém um torso respeitável e braços que eram tão grossos quanto minhas pernas. Ele ruma sem hesitação à escadaria, gira a cadeira de rodas de costas para a descida, agarra o corrimão com uma das mãos (usando uma luva grossa de couro preto) e ... ratatatatatatatatatata – DESCE DE UMA SÓ VEZ A ESCADARIA INTEIRA, DE COSTAS!!! Porra.
Fiquei rezando para que, na estação que ele fosse sair, fosse tão fácil ‘para cima’ quanto foi aqui ‘para baixo’.
Nunca mais o avistei.

Tendo vivido outro episódio, contei-o a um amigo ao telefone, e ele me assegurou que é bastante comum, já passou pela situação várias vezes. Batizei de “o trem fantasma”...
Indo do Brooklyn em direção a Manhattan, eu estava paradinho na plataforma de um de meus trens usuais, o N ou o F, não me lembro ao certo. De repente, pára um trem na minha frente, com o sinal luminoso em branco, sem nome nenhum. Estico o pescoço para dentro do trem e pergunto a um dos passageiros, “Que trem é este?”. Ao que ele responde, “Não sabemos”.
Tiro o pescoço da porta do trem e penso se estou ali mesmo ou é sonho...
Recupero-me e dirijo-me a outro passageiro, “O Senhor sabe para onde vai este trem?”. Ele responde, “Espero que para Manhattan”.
Entro no trem, sorrindo do surrealismo da situação, como muitos dos passageiros. O trem parte.
Na próxima estação, sou eu o passageiro e a mim dirigem-se os pescoços esticados, “Que trem é este?”etc. O trem segue sem nome, ninguém sabe ao certo para onde vai. Entretanto, confiantes, todos seguem sentadinhos, esperando que o trem os leve mais próximo do destino.
...
Há engarrafamentos frequentes nas linhas de metrô em Nova Iorque. Muitas vezes os trens já estão na linha quando os engarrafamentos ocorrem, e não há outra solução para os condutores – a fim de não piorar o engarrafamento – senão mudar de linha, sendo impossível prever qual e quando será a próxima mudança.
Enfim, como diz uma conhecida, “A gente vai para onde Deus manda”.
Outra inédita, também no Brooklyn: as ESTAÇÕES sem nome...
Várias estações de uma mesma linha estão em reforma. O trem pára; todas as superfícies de parede, chão e teto estão cobertas por tapumes; em lugar nenhum vê-se o nome da estação. Ocorreu-me repetidamente perguntar a pessoas na plataforma onde eu estava, e alguns não saberem que estação era!

Um perigo que se corre nas horas de pique, ao se passar nas roletas de entrada...
Há uma velocidade exata para se passar o cartão nas roletas de acesso. O passageiro experiente já percebe, só pela postura corporal de quem está na frente, se o distinto sabe passar o cartão ou vai levar uma vida inteira, e eventualmente passa para uma fila mais rápida.
As filas são longas; as pessoas devem ser eficientes e civilizadas, afinal teoricamente da destreza de cada um depende o ritmo de vida de 8 milhões de pessoas.
Em minha fila, todos os inteligentes estão passando ligeirinho. Passo meu cartão na roleta até mesmo antes de a moça na minha frente passar pela roleta. Quando me dou conta do ocorrido: a roleta não registrou o cartão dela, porém o meu – e ela vai passar com o MEU cartão, deixando-me a esperar 20 minutos, até que meu cartão seja reativado. Em desespêro – não ví outra solução – tiro-a pelo braço de minha frente e passo eu. Ela entra em pânico e começa a gritar, “Não faz isso comigo, não faz isso comigo...”
Nova Iorque é por vezes implacável.

No trem 7 do Queens, reduto de chineses e latinos, certa vez eu vinha em um trem nem tão lotado, porém sem assentos vagos. Entra uma avó chinesa caquética com o neto gordinho de uns 10 anos. Há um assento livre perto da porta, para onde o garoto corre e senta, deixando o farrapo de avó, praticamente só ossos e rugas, em pé segurando o poste. O gordinho segue sorrindo maliciosamente, como que a contar vantagem. Os passageiros perplexos perguntam-se o que estará acontecendo. (Em inglês há inclusive um adjetivo específico para este sentimento, mais intenso do que ‘perplexo’: “mortified”.) Em alguns segundos, um senhor se altera e grita ao menino, “Dê o assento a sua avó!”, ao que o garoto se recusa, “No!”. Outro senhor vai até o garoto, levanta-o pelo braço e faz sinal para a chinesa anciã sentar, ao que ela, sem falar inglês, declina com um sorriso bondoso. O garoto se altera e começa a berrar com o senhor, “Asshole! Fucker!”(não vou traduzir). Os passageiros incrédulos se entreolham.
É minha parada e tenho que sair do trem; não assistí ao desfecho da situação. Posso imaginar somente que entre os chineses, onde meninas são desprezadas e até há pouco só um filho era permitido, os meninos ajam realmente como reizinhos.

Desciplina e método são essenciais para a sobrevivência na metrópole. Uma das coisas mais difíceis para mim sempre foi equalizar as roupas no inverno para o “morning commute” (a hora do pique matinal, das 7.30 às 9). Na rua, neva e faz um frio inclemente, muitos graus abaixo de zero. Nas mal-ventiladas plataformas onde se toma os trens, fazem tranquilamente mais de 20ºC. Dentro dos trens apinhados, pior ainda... (Não vou nem comentar os malabarismos que se faz para entrar nos vagões.)
Ora, na rua a gente usa tudo o que pode contra o frio: sobretudo, manta, luvas, gorro. Dentro dos vagões, mal se aguenta uma camisa leve (em NYC, invariavelmente com gravata). O que fazer, onde colocar tudo o que se tira, se absolutamente não há espaço entre as pessoas para se segurar algo na mão, no braço ou no ombro? Em especial, com o chão úmido e imundo, resultado dos milhares de pés circulando com neve derretida?
Solução: um saco de papel, armado, dentro de uma sacola de plástico grosso, onde se coloca toda a roupa extra e as sacolas ficam em pé no chão, entre as pernas!

CINEMA ILIMITADO

No início de 2009, a poderosa cadeia francesa de cinemas Pathé instituiu em Amsterdam uma promoção para acabar com a já-agonizante concorrência: um Passe Ilimitado, com o qual pode-se frequentar as 35 salas da rede na cidade, sem restrições. Pela internet carrega-se uma foto, preenche-se um pequeno formulário, e “assina-se” um contrato anual que autoriza o débito em conta bancária de 17,50 Euros por mês. Em alguns dias recebe-se pelo correio a carteirinha intransferível.
Quase entrei na onda, se não tivesse tido mêdo de que nunca mais sairia do cinema, e se a Pathé mostrasse menos filmes comerciais e mais artísticos.
Levou um ano para que a concorrência, 8 pequenos cinemas independentes, se unissem e lançassem o mesmo passe, válido para todos eles.
Obviamente desta vez corrí e fiz o passe, e estou me danando se nunca mais sair do cinema...

A promoção pode ter sido inspirada no Museumjaarkaart (“passe anual de museus”), existente na Holanda desde 1981. Cada um de seus 200.000 possuidores faz uma carterinha uma vez por ano – renova-se automaticamente por débito bancário – e com ela entramos nos mais de 450 museus do país inteiro, muito raramente pagando um pequeno complemento quando se trata de uma exposição especial.
Vocês não achavam que a gente pagava os mesmo 20 euros que os turistas para entrar em museu, achavam?!

(foto: o cinema mais lindo do globo, o Pathé Tuschinski de Amsterdam)

Monday 15 February 2010

GAROTA DE SOPOT

Será que alguém comporia para esta figura na foto uma canção começando por “Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça”? No lo creo...
Pois, para todos os que têm pudor de se mostrar semi-nús, ela é a média do que se encontra nas areias polonesas.
Passei alguns dias de agosto em Sopot, a “Copacabana da Polônia”, descansando em um antigo grande hotel, hoje glamurosa propriedade da rede Sofitel francesa. Descobrí o enorme prédio à beira-mar navegando em GoogleMaps pelos arredores de Gdansk; uma amiga polonesa confirmou que era “o” hotel para se ficar.
Realmente de se tirar o chapéu. Não dava para se queixar de nada, menos ainda dos preços, bem aquém dos europeus. Em especial no spa, com vista da praia filtrada pelos cuidados jardins floridos, podia se passar horas de contemplação.

Outra das vantagens do hotel: a ampla praia particular; uma área cercada sobre a areia, onde os hóspedes entram com o cartão-chave do quarto. Os salva-vidas alcançam quantas toalhas se quer (quer dizer, cobertores de lã levinha – verdade!) e conduzem à área desejada. Enormes guardassóis-tendas brancos sombreiam alguns recantos, enquanto outros são povoados por confortáveis cadeiras cobertas, cuja maior função não é proteger do fraco sol, porém do vento gelado.
Sentado, não se vê nada que interesse, a não ser mar e céu. Menos ainda neste hotel fino, onde quem pode pagar em geral passou da flor da idade e não está na forma ideal. Passeando pela areia fina da praia, para lá e para cá, vejo muito pouca gente dentro d’água. Não é para menos, só molhando a pontinha do dedão já dou um pulo: será uma corrente polar?! Aos poucos noto que poucos corajosos entram no mar, mesmo assim com muito escândalo; ficam poucos minutos e mexem-se muito. Uma ressalva: dois halterofilistas machões, que entram n’água conversando – naturalmente com uma repuxada de barriga na “hora H” – depois abaixam-se dentro d’água e seguem conversando, certamente ignorando os gritos de cada célula do próprio corpo. O pequeno show deles aliás obteve a atenção merecida.

Sopot em sí tem tudo o que se exige no hemisfério norte de uma praia sofisticada: público abastado, prédios cuidados, gastronomia específica, natureza. No entanto, nada de muito espontâneo ou balneário: é quase uma cidade normal, só que à beira-mar. O espírito de férias estivais fica por conta dos programas que se faz e pelo contato com o mar.
Paga-se ingresso para passear no longo pier de madeira que avança mar adentro. Alguns barcos turísticos (cópias de galeões de piratas, para delírio da garotada), aportam e partem com destinos diversos. À noite, sobre o pier, há cinema ao ar livre.

Em uma estrutura modernosa em concreto branco junto ao pier instalou-se um inesperado “mercado do âmbar”, a grande riqueza da região. Junto a ele e ao improvisado parquinho de diversões, em troca de níqueis uma mocinha faz com que seu papagaio tire um papelzinho com a sorte da gente – nostal
gia pura.

Em viagem, por vezes procuro comer pouco e saudavelmente, afinal quem aguenta passar semanas a fio à base de comidas estranhas ou pesadas... Encontro em Sopot a recém-inaugurada filial de uma cadeia de restaurantezinhos vegetarianos, realmente 100% natureba, por quilo, no qual nos alimentamos 2 vezes por dia durante a estadia.

Especial: o brinquedo praiano da temporada. Não me arrisquei...